Caminho de Santiago em Bicicleta

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1ª etapa. Saint Jean Pied-de-Port/Roncesvalles, 26 Kms

Deixada para trás  a Ville de Bayonne, a viagem foi agradável, o pequeno comboio serpenteou o  Nive ladeado por frondoso arvoredo, até St-Jean.Aqui chegado, dirigi-me à velha cidadela fortificada, e, algo receoso de perder tempo, pouco me detive a visitar a cidade, um pouco contra minha vontade.

Texto e fotografia: António José Soares

Mas ainda não sabia bem o que me estava reservado, para os 850 kms até Santiago, em bicicleta, e, mais 300 até Coimbra.

Uma paragem na oficina do peregrino, a fim de recolher informações, carimbar o certificado, e a recolher a vieira,  que nos era oferecida. Na conversa com um dos simpáticos voluntários,  que se encontravam a prestar apoio aos peregrinos, fui aconselhado a seguir pela rota mais dura, mas também a mais bonita, a de Cisse.

Mais uma pequena voltinha pela cidade, culminando com a compra de alguns mantimentos. Finalmente allez, au chemin de St. Jacques de Compostelle .

Vista de St-Jean-Pied-de-Port

Uma rota dura

Os meus planos iniciais esbarraram na dificuldade dos primeiros metros da rota de Cisse, parecia-me demasiado dura. Como me encontrava só, decidi tomar a rota de Valcarlos. Os primeiros 8 Kms da rota de Cisse são realmente diabólicos, tal a sua inclinação. Ainda ousei começar, mas, andar com a bicicleta à mão logo nos primeiros quilómetros, não fazia muito bem ao ego, e qualquer revés nesta fase inicial podia ser desmoralizador.

A inscrição para a dormida, na oficina do peregrino

Assim, optei por Valcarlos, que conta igualmente com magníficas paisagens, bosques de carvalhos, castanheiros e outras árvores que os meus parcos conhecimentos de botânica não deixaram identificar.

Uma paragem para reabastecimento em Valcarlos, antes umas fotos na fronteira, novamente uma paragem para almoçar num local de beleza grandiosa, local onde parei para almoçar, aproveitando para estar à conversa com um sujeito escocês, que voltaria a encontrar em Roncesvalles.

A etapa foi efectivamente muito dura, exigindo muito das pernas, logo para o primeiro dia, cerca de 24 quilómetros sempre a subir, com um susto pelo meio. Um carneiro, não sei se selvagem, pastava mesmo junto à beirinha da estrada, olhou-me por baixo, fiquei todo arrepiado, mas o animal estava mais interessado na comida, felizmente para mim.

O convívio multifacetado nos caminhos, é um dos aspectos mais gratificantes

Recompensador, é sempre a chegada ao alto da montanha, pelo menos para recarregar as baterias da moral.

Quando a subida parece não acabar, desanimar é fatal, é preciso cerrar os dentes, procurar ser mais forte. Mas, quando finalmente se alcança o prémio da montanha, até parece que as pernas ganham outra vida.  No Alto de Ibaneta, foi um pouco assim que aconteceu, e, a paragem foi merecida.

A paisagem, a capela e o cruzeiro foram objecto de algumas fotos. Na descida para Roncesvalles, atingi a velocidade máxima de 54,82Km H. Percorri durante o dia cerca de 26 Kms, 29 incluindo a passeata madrugadora de Bayonne.

Andei a uma velocidade média de 11,32 Kms Hora, pedalei 04:09:14 H, para quem não dormiu toda a noite, e, a cama foi um banco de autocarro, nada mal.

Em Roncesvalles, o proprietário do café do Peregrino, aconselhou-me a pernoitar nesta localidade, tendo em conta que as horas e embora fossem ainda 15 H. 30 m, não sendo tarde, também já não seria muito cedo para arranjar dormida. Como estava ainda um pouco a viver na ignorância, decidi seguir o conselho do referido senhor, e, não me aventurar por mais quilómetros.

Também era importante passear pela mítica Roncesvalles, aproveitar bem para melhor ficar a conhecer algumas pessoas, e, os locais por onde passava. Aquele lugar pareceu-me especial, senti-me bem ali e decidi ficar.

Nas montanhas, antes de Roncesvalles

Em Roncesvalles

Após a chegada a Roncesvalles, tratei de aconchegar o estômago com um lanchito, por mero acaso na companhia do escocês, com quem, há algumas horas atrás tinha estado à conversa, na subida para Ibaneta.

Roncesvalles, marca o início do caminho em Espanha

Dirigi-me depois ao albergue para arranjar cama e carimbar a credencial. Foi aqui que um italiano, Fulvio Lamperti, na casa dos cinquenta e…, também a fazer o caminho só, com a sua bicicleta, me disse que já não encontraríamos vaga no albergue, gratuito, para os peregrinos. Tinham-lhe sugerido a Pousada de Juventude, e, foi para aí que nos dirigimos. Até acabámos por ficar mais bem instalados, a única desvantagem era ter de pagar 6€ para dormir!

Entretanto juntou-se-nos também o Marco, um simpático e conversador ítalo-suiço de Lugano, que fazia o seu caminho, a pé, na busca de se encontrar consigo mesmo. A sua ideia era encontrar algum conforto espiritual, e, assim tentar resolver alguns problemas da sua vida sentimental. Os três, fomos jantar o menu do peregrino ao restaurante recomendado na oficina do peregrino tinha lanchado, pagámos 8 euros pelo menu completo, boa comida, até ousei provar um pouco de vinho, sem sair das marcas. Para a nossa mesa saltou também um simpático peregrino francês, septuagenário, mas com a força de um jovem.

Fulvio, antes da partida para o segundo dia de caminho

Com o decorrer da conversa, fiquei a saber, que este bom amigo de Savoie, tinha sido operado a um tumor. Há três semanas tinha feito as últimas sessões de quimioterapia, e estava ali para fazer o caminho. Quase me recusava a acreditar, sem dúvida, é indispensável muita coragem, determinação e fé.

O Marco sugeriu que fossemos à celebração religiosa que se iria realizar às 20.00 horas, afirmou que não era religioso mas gostava de ir. Os quatro acabámos por entrar na igreja, e tenho que referir, em boa hora, passei a celebração quase sempre arrepiado, experimentem, verão que não estou a mentir, ou a fazer género.

As motivações para fazer o caminho assentaram numa diversificada série de razões, históricas, culturais, místicas, e, a principal, julgo que nunca a conseguirei explanar convenientemente, mas está cá dentro, não a consigo extrair, mas é, seguramente, muito boa.

O desafio que o mesmo constitui foi, igualmente, um dos motores que me impeliu a fazê-lo. Experimentei, dentro daquela igreja algo de espiritual ou místico, que funcionou seguramente como um bálsamo para aquele final de dia, e, para os subsequentes. A atmosfera vivida naquela celebração, onde estavam presentes pessoas de todos os cantos do mundo (foram mencionadas, pelo celebrante, as nacionalidades de todos os peregrinos presentes e o nome de Portugal citado, provavelmente tendo-me ali como o seu único representante. Senti um arrepio ainda mais forte, ao ouvir, num contexto especial, pronunciar o nome do meu país.

Foi, sem dúvida, algo que nunca mais esquecerei. Assim, depois de ter alimentado bem o corpo e o espírito, gozar o merecido o descanso. A jornada seguinte adivinhava-se igualmente dura.

Contudo, ainda houve tempo para conversar, com duas jovens peregrinas conhecidas de Marco, uma americana e outra italiana.

Sem dúvida, o ambiente vivido no primeiro dia, superou inteiramente as melhores expectativas iniciais.

Finalmente, neste primeiro dia, adormeci no meio de uma incrível sinfonia de roncos onde, o meu mais recente amigo italiano ocupava, quase por inteiro, lugar de destaque. Quanto a mim, bem outros que relatem o meu protagonismo na referida orquestra.

Conheça as experiências de António José em http://coimbrasantiago.blogspot.com/

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