América de pólo a pólo em bicicleta, 2ªparte

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Idílio continua a sua aventura de bicicleta na América do Norte. Mais algumas das suas crónicas diárias sempre interessantes e cativantes.

Blogue do Idílio Freire: http://bacalhaudebicicletacomtodos.blogspot.com/

7 de Agosto – dia perfeito

Este será um relato longo, a que poucos resistirão…

Parece que montei a tenda no caminho privado do esquilo meu vizinho. Um parque de campismo dispõe-se ao longo de um caminho circular por entre a floresta, ao longo do qual são desmatados, “mobilados” e sinalizados os rectângulos de cada lugar. Normalmente esses lugares distam entre si entre 5 a 10 metros, ocupados pela vegetação autóctone. Certo é que o esquilo, meu vizinho, vive de um lado da minha tenda, onde tem a casa e o celeiro, mas o quintal de cultivo é do outro lado. Conclusão, como devemos estar em tempo de colheitas, anda numa roda-viva a acarretar pinhas do quintal para o celeiro. Chega, escolhe a pinha, pega-lhe com a boca e corre frenético para a toca onde a deposita, presumo, e repete a operação vezes sem conta!! Enquanto tomava o pequeno-almoço, desisti da contagem à 20ª passagem.

Quando arrumava a tralha passou o Davidm, de bicicleta em direcção à cidade. Disse-me um último adeus (creio que será mesmo o último) e lá se foi por entre as árvores e o silêncio do parque ainda adormecido.

Hoje levam com o relato sobre o combustível…o pequeno-almoço foi uma sandes composta por 1 fatia de pão (género Panrico mas mais denso, mais escuro, mais pesado e mais substancial – na verdade nunca comi desse panrico em Portugal…) + 1 grossa fatia de fiambre + 1 fatia de pão + 1 fatia de fiambre + 1 fatia de pão + 1 fatia de queijo + 1 fatia de pão + outra fatia de pão (era a última da embalagem…), uma banana e água (não me apeteceu fazer café).

Arranquei para aí às 8h30. Atravessei a cidade silenciosa e fria pela 4ª avenida. Ao passar junto a uma bomba de gasolina, lembrei-me que me ia saber bem um leitinho. Parei e comprei ½ litro de leite e 3 donuts (não são como os daí, apesar de nunca os ter provado). Bebi o leite de um trago e mamei um donut que me lembrou mais as filhós que a minha mãe faz no Natal, mas comidas dois dias depois, já secas e duras…

Prossegui para a Alasca Highway, a minha próxima companheira de aventura e devo ter e”entrado” para aí ao km 1426… Não sei se já repararam, mas aqui, ao contrário daí, as estradas têm nome; as ruas não. Ao passar junto ao aeroporto, tirei uma foto ao C47 da Canadien Pacific que está empoleirado numa pequena elevação. É um avião que esteve ao serviço dos aliados na 2ª Guerra, tendo depois sido convertido e utilizado para fins civis até 1970, com mais de 13 mil horas de voo…Alguns km depois vem uma caravana em sentido contrário, que abranda. Estão mesmo a ver, não estão!? Eu também!! È o Beat e a Ester que vão entregara caravana às 9h. Tinham pernoitado num parque 3 km mais à frente e iam a caminho da cidade. Coincidência? Cinco minutos de diferença e não os teria apanhado mais esta vez! Limitámo-nos a acenar e dizer adeus.

Prossegui a bom ritmo e rapidamente cheguei ao cruzamento com a Klondike Hwy. Uma placa de sinalização dizia “scenic road”, com uma foto apostolada a ilustrar o caminho: lago em tons de verde e azul, montanhas verdes e florestas de pinheiros.

Ainda hesitei, pois podia segui-la até carcross e depois tomar outra para Jakes corner, onde retomaria a Alasca. Mas seriam para aí mais 50 km extra e sem saber como seria o piso e o relevo. Mantive-me no plano inicial.

Pouco depois surge o Yukon river, com uma bela vista do topo da colina que antecede a descida para a ponte. As águas são verde-escuro, talvez carregadas pelas nuvens pesadas e sombrias que nos rodeiam. Algumas canoas vermelhas deslizam pelas águas, desaparecendo rapidamente na curva apertada, levadas pela corrente que parece forte.

Do outro lado da ponte, o rio parece um lago por onde serpenteiam pequenas ilhotas verdejantes, pouco acima do nível da água. Outra canoa paira por ali, deslocando-se pelo Yukon River entre as ilhotas. Parece pescar, pois tem duas pessoas a bordo, agora completamente erguidas na canoa. As montanhas fecham o quadro e as nuvens parecem uma tampa. Estamos fechados sobre nós próprios naquele espaço de paz e tranquilidade…

Há uma leve brisa que me empurra! Até isso corre de feição, pedalando a 2m km/h em média. Aproximo-me do March Lake e passa por mim uma miúda de bicicleta de estrada equipada a rigor: t-shirt, calções, capacete, luvas e dorsal. Devia ser uma competição mas nunca mais passava ninguém.

Fui parando, tirando fotos, pedalando, tirando fotos e olhando e andando e passa outra miúda, 10 ou 15 minutos depois da anterior. Mais um longo espaço de tempo e passa um trio, desta vez dois homens e uma mulher. Ok, devia ser mesmo uma prova. Esquisita, mas uma competição…

Ao km 50, na ponte sobre o rio M’Clintock, começa a chover. Gotas esparsas mas grossas. Nem de propósito aparece uma placa a dizer “March lake recreation park 2 km”. Era mesmo o que precisava: resguardar-me da chuva e almoçar. Havia um quiosque mínimo mas com o que interessava: “long hot-gog”, anunciava. Pois foi mesmo isso e acompanhado por um litrinho de leite, directo do pacote!

Parou de chover, o sol voltou e com ele a vontade de pedalar continuava.

Prossegui ao longo do lago, em ligeiro sobe e desce, mas sempre muito fácil e os competidores iam passando por mim, quase sempre com um comprimento ou piada. Ás tantas passa uma miúda que por cima dos calções tinha uma lingerie atrevidota – deve ter-se vestido à pressa…saco da máquina e, uma mão no volante a outra a manipular a máquina e “pernas para que nos quero”, vou-lhe no encalço e saco uma foto.

Não muitos km depois estava uma claque a acenar e em grande alvoroço, mas já tinha passado a atleta e continuavam, parecia que para mim. E pouco depois lá estavam: dos 5 da claque, um era o Beat e outra a Ester!! Iam ficar num lodge ali por uns dias e, ao passearem pela zona dão comigo mais uma vez!! Nem dava para crer. Tirámos uma foto e trocámos mails. Agora é que deve ser mesmo a última!! Prometeram mandar fotos dos ursos que não vi…

Próximo destino é Jakes corner – uma bomba de combustível com café. Era aí também que os ciclistas deixavam Alasca Hwy e viravam para Carcross. Afinal trata-se mesmo de uma competição. São 24 horas de bicicleta em torno do lago e ganha quem der mais voltas…

Bem na estação de serviço reforcei as calorias. Um bolo enorme que não sei descrever mas que me soube a “galos de noz” (tinha uma película caramelizada com frutos secos) e mais ½ litro de leite com chocolate, o meu preferido.

Eram 2 da tarde, 90 km feitos, sol, montanhas, lagos, pinheiros, estrada mais ou menos plana leve brisa nas costas. Só podia continuar!

Depois de Jakson corner a paisagem ficou mais selvagem, mas agressiva, mais grandiosa, mais solitária, mais silenciosa. Senti que ficava para trás uma zona mais humana – ou humanizada – e que regressava a um ambiente mais íntimo, mais pessoal.

Por entre muitas fotos, cheguei ao lago Squanga, com um parque de campismo não assinalado no mapa. Estava com 116 km percorridos e apesar de ter energia e vontade para mais, decidi espreitar. Era mesmo junto ao lago de águas esverdeadas. Tinha algumas caravanas mas consegui um lugar mesmo junto ao lago e, vejam bem, até pendurei a cama de rede entre dois pinheiros, onde escrevi estas linhas.

De repente começa a arrefecer, as nuvens a engrossarem e até se via a chuva a cair lá adiante nas montanhas mais a norte. Tive de retirar à pressa e tratar do jantar antes que chovesse.

E só para fechar, foi uma dose de massa carbonara, com dois enchidos fumados e picantes, 2 fatias de pão, uma banana e os dois donuts que sobraram da manhã. O que queriam? Que passasse fome!? Estas perninhas não bebem gasolina mas também não funcionam a energia solar!

8 de Agosto, finalmente a Bíblia

O dia acordou lacrimejante e tive de arrumar a tenda molhada e tomar o pequeno-almoço de pé.

Ao partir, desfazia-me do lixo no contentor, vem o meu vizinho com o isqueiro na mão, estende-o e oferece-mo. Um daqueles compridos, mesmo de cozinha xpto! Olhei para ele incrédulo e, percebendo a minha hesitação em aceitar, disse “I have lots of these”! A estória começou ontem ao jantar…começou a chover e acabámos todos a jantar juntos na cozinha do parque. E o meu isqueiro expirou mesmo ali, quando me preparava para acender o fogão, pelo que lhe pedi fogo. Mas não deixa de me impressionar…até parece que estava à coca para aquele gesto tão simples e tão significativo.

A estrada seguia para nordeste, em direcção às montanhas onde se viam mais nuvens e mais cerradas do que aqui. Logicamente não tardei a entrar chuva dentro. Não era o mais agradável dos cenários, mas deixei de dar muita atenção a estes condicionalismos naturais: aceitam-se, digerem-se e pronto. Além do mais estava certo que ainda ia ver o sol hoje…

Exactamente aos 20 km cumpridos, surge Jonhsons Crossing, mesmo antes da ponte sobre o Teslin river, com a habitual bomba de combustível e café/mercearia. A chuva já tinha parado, mas estava desconfortável com frio nos pés e mãos. Ia saber-me bem um chocolate quente e talvez alguma coisa para mastigar.

Teslin ficava a cerca de 50 km. Mas até lá foi pedalar facilmente, praticamente com a estrada a bordejar o extenso lago. À direita, e especialmente na longínqua linha do horizonte, uma cadeia de montanhas delimitava a vista. As nuvens marcavam presença discreta e distante. Em Testlin visitei o Tlingit Heritage Center. Apenas a colecção de fotografias me satisfez…ah e o café com leite, de borla (a entrada foi 5$…).

Parei no supermercado local e reforcei as provisões. À saída da vila parei no “viewpoint” e almocei com vista para o lago, lá em baixo aos meus pés.

Prossegui e fui vendo os km passarem. Sentia a brisa nas costas e o sol brincando às escondidas com as nuvens. O chato é que nas subidas apetecia-me tirar o corta-vento e nas descidas estava frio e era-me necessário. Lembrei-me diversas vezes do Serra, o amigo que comigo fez a Patagónia. Estava sempre a parar para pôr e tirar o corta-vento…Certo é que depois de Teslin não haveria mais nenhum campismo oficial, pelo que teria de improvisar. Entretanto a estrada entra na British Columbia, mas nem por isso algo muda. Confesso que se está a tornar muito fácil ultrapassar os 100 km por dia. O selim parece que já desistiu de me atacar. As pernas estão perfeitamente à altura das subidas. O coração parece estar maior e mais forte – hoje, no fim de uma subida de cerca de 1 km decidi contar as pulsações: 120. Tudo normal, portanto. Até o vento parece ter desistido. Ou melhor, tornar-se aliado! De facto está uma brisa, não muito forte, é certo, mas ainda assim capaz de fazer estragos se frontal. Fiz o teste invertendo a marcha para ir tirar uma foto que me tinha escapado e senti como podia ser duro se desfavorável…Mas enfim, estava mesmo a gozar a estrada, a “velocidade”, as subidas e descidas, a paisagem, o silêncio, a luz. Procurava um local aprazível para acampar, mas nada. Pelo mapa, parecia que deveria estar a cruzar i Swift river, o que regra geral proporciona sempre um local simpático. Mas o raio do rio nunca mais chegava!! De repente começa a chover, as habituais gotas ralas mas grossas! Decido desviar-me da estrada e resguardar-me na floresta. À falta de melhor, ficaria já por ali. Aliás, estava a começar a sentir uma leve picada no joelho esquerdo, o que não me agradava… Uma breve pausa e parou de chover. Ficar ou continuar mais 3 ou 4 km. O raio do rio não podia estar longe. Decido prosseguir e em boa hora o fiz. De facto, menos de 3 km depois surge o rio, antecedido por um desvio para onde não me dirigi de imediato por ver lá estacionada uma auto-caravana, com fogueira acesa. Já agora queria o sítio só para mim! Certo é que as gotas recomeçaram e o rio não proporcionava melhor poiso. Voltei para trás, passei ao lado da caravana, cumprimentei os vizinhos e disse-lhes que ia acampar ali também. Estava a montar a tenda quando a Tenney-Ann, assim se chama a senhora, me veio visitar, dizendo que tinham comida a mais, se eu não era servido. Dei por mim com uma pratada de massa com diversos ingredientes e ainda acompanhada de brócolos e couve-flor.

Depois da janta, juntei-me com eles à fogueira (tinham três cadeiras) e ficámos a conversar das coisas simples: sobre a minha viagem, os sítios onde estive, para onde vou, quantos km faço por dia, o que transporto comigo, o que faço. Da parte deles, contam o mesmo: são reformados, de Okanagan, etc.

E é no fim da conversa, quando se levantam para ir passear o cão, que me vem com um presente: “What does de bible really teach”, mais uma daquelas revistas que os Jeovás distribuem de porta em porta!! Estava passada a mensagem. São mais umas gramas que vou ter de transportar até à próxima reciclagem…talvez antes pratique o meu inglês!!

9 de Agosto, apostola de Jesus

Tomava o pequeno-almoço de pé, quando o meu vizinho Dale, de caneca de café em punho, se me dirigiu e perguntou se queria um café. Aceitei sem cerimónia. Estendo-lhe a minha canequita mínima, mais apropriada para uns shots do que para café, ainda por cima deste por cá, que mal tinge a água, mas ele perguntou se não queria uma caneca maior. Anui logo e acrescentei: com leite, please.

Uma breve pausa e sai de casa com uma canecada de café com leite. Sabe realmente bem pela manhã, especialmente se está frio, como é hoje o caso…

Arranquei primeiro que eles, despedimo-nos mais uma vez e lá fui, calmamente em direcção a Watson lake, onde só chegarei amanhã. Para já procurava Swift river com intenção de reforçar o pequeno-almoço. O dia estava sorridente, sem uma nuvem. As montanhas verdes, totalmente arborizadas. Os lagos iam-se sucedendo, destacando-se o Swan lake pelo tamanho, pelas cores e pelo recato, pois só de quando em vez se deixava espreitar por entre a densa barreira de pinheiros frondosos.

Swift river estava fechada. Tive de continuar, tendo por próximo objectivo Continental Divide, já com 50 km palmilhados – é certo que mais uma vez com ventinho pelas costas. Em Rancheria tive a primeira surpresa desagradável. Não havia qualquer tipo de mercearia, apenas um restaurante. E não é que ao entrar no dito, a “patroa” – tinha mesmo ar de “patroa” diz-me de má modo: não viu a informação a dizer que o restaurante não está acessível para clientes? Respondi que não, apesar de ter passado a vista pelo dito. Afinal a partir das 12h só servem a malta das obras, que andam a repara a estrada e a ponte nas imediações. Nem uma sopa, ainda perguntei? Só faltou dar-me com o que tinha na mão. Meti o rabo entre as pernas e sai. Aproveitei a mesa e cadeiras cá fora, saquei dos meus aprovisionamentos e fiz-me à vida, pois claro.

Agora era pedalar até Rancheria, 20 km adiante. E foi numa das longas descidas que vi uma senhora sentada naqueles resguardos/gradeamentos das bermas das estradas, olhando o rio que corria a seus pés. O mais curioso, e que me fez abrandar, foi uma enorme mala junto a ela, na berma da estrada. Parei, cumprimentei-a e começámos a conversar. A pergunta típica que me fez foi “de onde és”? Mas antes de eu responder ela disse: deixa ver, Polónia. E eu, “quase acertavas. Não, Portugal. E tu és canadiana?”. “Sou apostola de Jesus, responde-me. Ando pelo mundo, especialmente pela América Latina e divulgar a palavra de Jesus”. Não estiquei a conversa por esse terreno pois não me interessava. Mas ainda falámos um bom bocado e parece conhecer bem a América Latina (Brasil, Chile, Bolívia e Argentina, especialmente).

Lá cheguei a Rancheria e devorei uma sopa de legumes, uma tosta, um copo de leite e uma caneca de café com leite…fui mais moderado.

O objectivo do dia era ficar a cerca de 100 km de Watson Lake para amanhã poder chegar confortavelmente. Assim, dentro de 20 ou 30 km teria de encontrar um local aprazível para acampar. Ainda antes das 4 da tardem descobri-o. Havia uma serventia que entrava floresta a dentro em direcção ao rio que não devia andar longe. Meti-me por aí fora e 800 metros depois chego a uma clareira tranquila, junto ao rio. Era o local perfeito. Ainda iria ter uma longa tarde de sol, que aproveitei para lavar a roupa no rio, tomar um bom banho (há 2 dias que não tinha oportunidade), fazer uma boa limpeza à bicicleta, estudar os mapas, pôr a escrita em dia, preparar uma bela jantarada, com sopa e 2º prato!! Ah, e só hoje é que terminou a primeira garrafa de gás! Já posso fazer estatísticas e modelos de previsão.

E agora que são 11 horas e a luz já escasseia (em Inuvik, há menos de 3 semanas, só entre as 2 e as 5 da manhã é que não havia luz…).

10 de Agosto, Bikers on the road

Hoje vou ser parcimonioso e poupar-vos também…

Como estava com o bichinho de chegar cedo a Watson Lake, madruguei. Pequeno-almoço mais parco que o habitual, pois as reservas estão a chegar ao fim, pé-no-pedal e pernas para que vos quero! Pedalei ao longo do Rancheria river, que foi ou mudando de nome ou recebendo afluentes: low Rancheria, small Rancheria. Curiosamente o céu estava completamente nublado sobre a minha cabeça, mas absolutamente limpo, daquele azul translúcido, na linha do horizonte. Era para lá que eu ia…

Ás 7h30 a estrada estava praticamente deserta, pelo que era eu e o silêncio, apenas. Ah, e o vento, o tão amigo e suspeito vento, discreto nas minhas costas. Esta amizade começa a preocupar-me…pois amanhã inflectirei completamente para sul, por vezes mesmo para sudoeste, e nestes dias tem estado sempre a soprar de oeste…

Tinha percorrido menos de 20 km quando surge à ilharga um casal de ciclistas em sentido contrário. Antecipam-se, cruzam a estrada e cumprimentamo-nos como se fossemos velhos amigos. É o Scot e a Michelle, vem de Vancouver, há dezanove dias a pedalar e têm mais nove dias de férias. Ainda não sabem até onde irão…andar de bicicleta é assim: sabemos de onde vimos, nunca sabemos onde vamos pernoitar nem qual será o ponto final.. Deram-me o mail e site deles, falaram-me de um site (hotshower.com, creio – ainda não testei) dedicado exclusivamente a bikers, disseram-me já ter feito Jasper e Banff e encorajaram-me a ir, que o relevo e a dificuldade não é maior que esta… por meu lado disse-lhes de onde vinha, para onde tencionava ir e falei-lhes do percurso que iam enfrentar. Infelizmente para eles, o vento era frontal e forte…

Poucos km adiante, antes do Big Creek CG, outro biker em sentido contrário! Desta vez fui eu a antecipar-me e atravessar a estrada. Era japonês – chamemos-lhe sushi, pois o nome verdadeiro não sou capaz de o imaginar…Afinal parece que ainda há quem fale inglês pior do que eu…era o caso. Lá me explicou algo que me interessa sobremaneira: a estrada 37 (cassiar hwy) tem estado com trânsito cortado ou muito condicionado por causa de incêndios…há cinco dias que me alertaram para isso em Whitehorse, na oficina das bicicletas. Pensei que quando lá chegasse já estivesse mais do que ultrapassada a situação mas parece que ainda não. No caso dele, apanhou uma boleia de um camião durante 50 km. Veremos amanhã…

O resto do caminho não teve estória nem motivos especiais de “reportagem”. Umas subidas tramadas, descidas deliciosas, de vários km, paisagem “normal”: lagos, montes, pinheiros, céu, nuvens aqui, sol acolá, frio nas descidas, calor nas subidas, silêncio sempre.

Ao chegar ao entroncamento com a A37, 22 km antes de Watson Lake, pensei em mudar de planos e porque não ir já para sul, evitando os 44 km extra de ir e voltar à vila. Para isso era necessário apenas que houvesse por aqui internet e uma boa mercearia. Tinha de ter pelo menos gás, pois a minha garrafa suplementar entrou ontem em funcionamento. É verdade que deve dar para 15 dias, pelo menos, mas não quero arriscar sem necessidade. Bastará quando tiver de ser…Como apenas existiam bebidas e barretes ok, bonés e porcarias sem qualquer interesse) no shopp da bomba, tive mesmo de regressar ao plano A.

À entrada de Watson Lake surge o incontornável “sign post forest”, uma área em crescendo onde a malta de todo o mundo vai deixando a sua “marca”… Parece que é a principal atracção da vila, o que não é difícil…pela informação do guia que tenho, vivem aqui 1560…Ainda assim, só gostava que vissem a biblioteca, precisamente onde estou a rabiscar estas letras à pressa!! Qualquer coisa de fabuloso…especialmente para um aglomerado com 1500 moradores!

Bem, antes ainda da biblioteca fui às compras e adivinhem quem estacionou a bicicleta ao meu lado!? Não, não adivinharam! Foi o John, o “Américas” que encontrei em Inuvik e que me olhou de soslaio quando disse que ia fazer a Dempster… Bem, talvez seja preconceito meu. Se calhar é bom tipo…

Fui às compras e garanto que levei um cesto maior do que os que uso no pingo-doce (aí levo sempre o mais pequeno e chega sempre para as compras!). Ia metendo coisas para o cesto e tomando-lhe o peso, olhando para o volume e “cortando” na fome previsível. Acabei com o cesto meio… Arrumava com dificuldade (por falta de espaço) as compras na burra quando sai o John. Nem queria acreditar! O cesto dele estava de cocuruto!! Acreditem que não estou a estereotipar nem exagerar! Bem, não sei onde arruma tudo…certo é que não tem mais arrumação que eu…

Despedimo-nos (vamos para a mesma estrada mas ele não sabe se parte hoje e parece-se comigo: no seu registo).

E agora vou tratar da vidinha, sim, porque até Prince George – a próxima “cidade” a sério, são cerca de 1300 km. E até lá, não sei se conseguirei net… só se for em Smithers, mesmo assim daqui a cerca de 900 km…See you there.

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