Grande Rota da Serra das Mesas à Serra da Gata

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Extensão: 31,77 km; Tipo: Linear; Elevação máx.: 1 477 m; Elevação mínima: 714 m; Dificuldade técnica: Moderado;

Horas: 11 horas 25 minutos

Texto e fotografia: José Carlos Callixto / http://porfragasepragas.blogspot.pt/

No último dia do passado mês de Junho, trouxe à raia um grupo de amantes das longas caminhadas, para uma Grande Rota TransMalcata, entre Foios e a Capela da Sr.ª do Bom Sucesso. Complementámos essa travessia, no dia seguinte, com uma pequena caminhada circular na Serra das Mesas. Como então escrevi, as despedidas foram com a promessa, minha e deles, de um dia voltarem. Como também escrevi… “É este o tipo de pessoas que eu gosto de encontrar, com quem gosto de conviver! Gente que dá e recebe, gente que transmite o calor da partilha, gente que transmite o sabor da amizade, gente… que dá sabor à vida! “.

E por isso… um dia voltaram…J! Pelo menos alguns deles, acompanhados por alguns estreantes nestas serras. E voltaram para uma nova grande rota, a unir as Mesas à porção ocidental da Serra da Gata, que iria incluir a subida ao mítico cume do Xálima … que em Julho lhes tinha feito um “chamamento místico”…

Cume do Xalmas, 1492m alt., 23.10.2012

Não, não é uma vista de avião...! Cume do Xalmas, 23.10.2012

Foios, junto ao Côa, 27.10.2012, 7:00h

Como começou

Tal como em Junho/Julho, o projeto nasceu e foi posto em marcha via redes sociais. E, aos participantes inicialmente previstos, na 5ª feira à noite juntaram-se mais três, mobilizados por uma das participantes no MegaTransect da Estrela, em que participei nos primeiros dias de Setembro. Juntámo-nos assim 14 apaixonados pelos “montes que medem o céu “, 14 amantes “das frias serras onde primeiro o Sol nasceu “.

As fragas das redes sociais originam aliás novas e interessantes formas de comunicação e de aproximação: dois dos “estreantes” nestas serras … só os conhecia virtualmente. Mas, tendo vindo mais cedo … vieram almoçar na minha casa de Vale de Espinho, na 6ª feira! Mais: vieram juntos, da zona do Porto e Vila do Conde … mas igualmente não se conheciam pessoalmente, só se conheceram quando se encontraram para vir J!

Quatro dias antes, na 3ª feira 23, fiz um reconhecimento solitário de uma alternativa de acesso ao Xalmas, numa manhã mágica, de Sol, a que se refere as primeiras fotos deste artigo. E é assim que, às seis e meia da manhã de sábado 27, ainda noite cerrada, nos encontrámos todos junto à antiga Escola Primária de Foios, em cuja camarata quase todos ficaram, como em Junho. A primeira parte do percurso fizemo-la portanto acompanhando o lento clarear de um novo dia, subindo a serra em direção à nascente do Côa, por entre um nevoeiro mágico que emprestava um ar místico a toda aquela envolvência serrana. Depois de mais de dois dias de chuva ininterrupta … sábado acordava para nós como um magnífico dia que se viria a mostrar soalheiro!

E o nevoeiro envolve-nos nos mistérios da Serra das Mesas

Sobre a planície de Valverde del Fresno, onde o Sol já clareia

Descendo a encosta das nascentes do Águeda

Com pouco mais de uma hora de marcha e a 1220 metros de altitude, cruzámos a linha de fronteira perto do geodésico das Mesas, a que tínhamos ido em Julho … para logo a seguir descermos para a nascente do Águeda e para os Llanos de Navasfrias. Estávamos então na estrada Navasfrias – Valverde del Fresno, com duas horas de caminho e quase 7 km percorridos.

Nas Torres das Ellas, em manhã de nevoeiro

Barroco do Raio, Serra do Espiñazo

Majadal de los Guijos, 1170m alt.

Tínhamos agora pela frente a Serra do Espiñazo, cujos cumes rochosos são também conhecidos por Torres das Ellas, ou Torres de Fernán Centeno. Torres das Ellas porque de ali se avista a aldeia de Ellas, que, juntamente com as suas aldeias gémeas de San Martín de Trevejo e Valverde del Fresno, constituem as três aldeias do vale do Xálima, ou d’”A Fala”, conjunto de dialetos mistura de galego, português e castelhano. A outra designação é menos nobre: ao galgar aquelas fragas, por entre o persistente nevoeiro, quase víamos saltar detrás dos rochedos as hordas de bandoleiros guiadas pelo celebérrimo Fernán  Centeno,  El Travieso,  senhor de Peñaparda,  que,  do seu castelo  de Rapapelo (de que não restam vestígios), assolou no séc. XV grande parte destas terras e tomou os castelos das Ellas e de Trevejo.

A Serra do Espiñazo ficou também para sempre ligada à aventura do contrabando. Os seus esporões rochosos esconderam “carregos”, testemunharam perseguições, fugas e mortes, por vezes aliadas a fenómenos naturais agrestes, como as fortíssimas trovoadas que aqui ocorrem. Em Agosto de 2009, numa caminhada orientada por fojeiros bem conhecedores destas rotas, aprendi histórias de barrocos cortados por um raio, de fontes que guardam tesouros escondidos … histórias com que agora fui animando e alimentando esta manhã, ao longo das Torres das Ellas.

Castanhal de Ojesto, com San Martín aos pés

Na calçada romana das Ellas ao Puerto de Santa Clara

A chegar ao Puerto de Santa Clara, entre o maciço do Espiñazo e o do Xálima

Quando o nevoeiro se começou lentamente a dissipar, ainda conseguimos ver as povoações estremenhas das Ellas e, principalmente, de San Martin de Trevejo, bem como, já na encosta ocidental da Serra de Xálima, um dos maiores castanhais da Europa, o castanhal de Ojesto, ou de O’Soitu, pertencente à segunda daquelas típicas aldeias serranas.

“…Já com quase 17 km nos pés, chegámos ao Puerto de Santa Clara (1024m)…”

Já com quase 17 km nos pés, chegámos ao Puerto de Santa Clara (1024m), na estrada Payo – San Martín de Trevejo … e tínhamos pela frente o morro imponente do Xalmas, ou Xálima. É o ponto mais alto do ocidente da Serra da Gata (1492m alt.). O “ataque” ao corta-fogo que vence os primeiros 70 metros de desnível (em menos de 400 metros…) foi um teste à resistência e um “aquecimento” para a longa subida aos 1492 metros daquele cume “sagrado”. A origem etimológica do termo (Xálima, Xálama, Xalmas e outras grafias) parece derivar do deus Xalmas, a divindade pré-romana que habitava estas montanhas. Xalmas era o Deus vetão das águas, sendo os vetões parentes dos lusitanos, que habitavam estas terras em tempos pré-romanos.

E às 14:30h, com 22 km percorridos, atingimos o cume do Xalmas, ou Xálima: 1492m de altitude

Objetivo à vista: ao fundo, o Castelo medieval de Trevejo

Campanário da Ermida de S. João Baptista, Trevejo

Depois do nevoeiro que nos acompanhou nas Torres das Ellas, o deus Xalmas foi-nos brindando com uma gradual abertura das nuvens. À medida que subíamos … os céus iam-nos alargando os horizontes!

No limite das províncias de Salamanca (Castela) e Cáceres (Extremadura), o cume do Xalmas é o lugar onde se juntam a terra e o céu, altar dos deuses vetões, de onde Xalmas faz brotar as águas que escorrem pelas encostas, precipitando-se por vezes em cascatas e alimentando rios. O vento frio massajava-nos as faces, enquanto a vista viajava daquelas alturas num ângulo de 360º. Para norte, estendem-se as terras castelhanas e leonesas, percebendo-se ao longe a nossa Serra da Marofa; rodando para nascente, as alturas da Serra da Penha de França e a região de Las Hurdes (a “terra sem pão”, de Luis Buñuel); aos nossos pés, o vale de Acebo e a barragem da Cervigona; para lá do vale, a Serra da Gata continua a cordilheira em que nos encontramos, destacando-se bem a Torre Almenara, torre árabe sobranceira à vila de Gata, e percebendo-se mesmo ao longe a serra de Béjar. Contrastando com as montanhas, para sul estende-se o vale do Xálima e a planície de Moraleja e Coria, até ao vale do Tejo; e, para lá dele, nos limites do horizonte, avistava-se mesmo a Serra de S. Mamede.

Um pouco mais a poente e mais próximo de nós, a Serra de Penha Garcia deixava espreitar por trás o morro de Monsanto. E o vale do Xálima fecha-se, a poente, na Serra da Marvana, continuação natural da Malcata; mais longe, as serras da Gardunha e da Estrela completam o quadro, vendo-se também facilmente a Guarda.

Um dos companheiros que “mobilizei” para esta “aventura”, apaixonado pelo geocaching, deixou a primeira cache existente naquela montanha mágica! Aguardará agora com ansiedade os primeiros registos de outros geocachers.

Do cume do Xalmas descemos para sul, sempre à vista dos vales de Acebo, a nascente, e de San Martín, a poente. Após uma descida mais abrupta, chegámos ao velho caminho que vem de terras de El Payo, ligando Castela à Extremadura. Ao entrar no magnífico carvalhal que bordeja o Arroyo de los Lagares, o nosso destino apareceu-nos ao fundo, o castelo medieval de Trevejo.

Os últimos cerca de 4 km conduziram-nos a esse autêntico museu vivo de arquitetura popular serrana, que é a aldeia medieval de Trevejo.

“…, o castelo de Trevejo domina a aldeia e a ermida de S. João Baptista…”

Ermida de S. João Baptista, Trevejo

Castelo medieval de Trevejo ao Sol poente: magia em estado puro!

E começa uma longa sessão fotográfica sobre o espetacular pôr-do-Sol em Trevejo

E assim, pelas 17:30h e com um pouco mais de 31 km nos pés, estávamos a entrar na aldeia de Trevejo. Situado no alto de uma atalaia, entre a Serra de Xálima e a planície de Moraleja e Coria, a 750 metros de altitude, o castelo de Trevejo domina a aldeia e a ermida de S. João Baptista. Teve origem árabe, nos séculos IX a XII. O que dele hoje resta data contudo dos séculos XV e XVI, quando as ordens militares de Santiago e de Alcântara dominavam estas terras. Como já atrás referi, em 1474 o cavaleiro Fernán Centeno, em ato de rebeldia, deixou o seu castelo de Rapapelo para tomar o de Trevejo, onde encarcerava  e  agrilhoava os habitantes que não lhe obedeciam.  O  atual grau de destruição do castelo, do qual praticamente resta apenas de pé a torre de menagem, deve-se contudo essencialmente aos franceses, como estratégia habitual na retirada das invasões. Por sua vez, a pequena Ermida de S. João Baptista, aos pés do castelo, possui um altar exterior e está rodeada de pequenas tumbas antropomórficas, escavadas no granito. Separado do edifício, o campanário olha orgulhosamente para poente.

Tínhamos cerca de 45 minutos para visitar a aldeia e o castelo, completando com essa deslocação o último cerca de quilómetro e meio da jornada … e assistindo precisamente ao espetáculo fabuloso do Sol poente, a partir das muralhas do castelo ou, mais atrás, por sobre a aldeia e a atalaia em que aquele se situa. A explosão de cores, sobre as serranias a sul da Marvana, foi sem dúvida alguma o melhor culminar que poderíamos desejar para esta nossa “aventura”.

Às 18:24h o astro rei mergulhou no horizonte. Depois … depois seguiu-se o regresso aos Foios, com a importante e generosa colaboração da respetiva Junta de Freguesia, na pessoa do seu sempre inestimável Presidente, José Manuel Campos. Mas este regresso aos Foios, numa carrinha de caixa aberta (apenas os homens, as senhoras foram na cabina…) … também foi uma autêntica “aventura”…!

Informação sobre o trajeto: http://pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=3542754

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