A agonia da Barrinha de Esmoriz / Lagoa de Paramos

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A FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade, em comunicado emitido no passado dia 7, mostra a sua preocupação com a Barrinha de Esmoriz.

A Barrinha de Esmoriz/Lagoa de Paramos[1] é uma lagoa costeira situada um pouco a Sul de Espinho, e formada pelas águas de alguns pequenos cursos de água que, devido às dunas litorais, se depositam na lagoa que tem, na sua parte mais larga, cerca de 1 km.

Segundo escreveu em 2021 o Professor Carlos Neto, biogeógrafo da Universidade de Lisboa, “Este habitat é raro [1150Lagunas costeiras. Barrinha de Esmoriz] na UE e também em Portugal. Portugal tem uma parte substancial deste habitat na UE. Trata-se de uma habitat que tem a sua origem associada a subida do nível do mar na parte final da última glaciação. Nessa altura a costa portuguesa apresentava-se recortada e quando se constitui a corrente de deriva litoral norte sul, iniciou-se o transporte de sedimentos no mesmo sentido. A partir dai começou o processo de linearização do litoral com a deposição de sedimentos nos locais onde a corrente perde energia. Crescem as restingas, os cordões litorais e tômbolos. Desta forma os cordões litorais instalaram-se na frente de rios e ribeiras de fraca competência e capacidade cuja ligação com o mar fica impedida e só se verifica temporariamente.”

Por tudo isto, pela riqueza em biodiversidade e pelo valor paisagístico, em Julho de 2000 uma área de 396 ha da Barrinha foi integrada na Rede Natura 2000 como Sítio PTCON0018 (Resolução de Conselho de Ministros nº 76/2000, de 5 de Julho).

“A Rede Natura 2000 é uma rede ecológica para o espaço comunitário da União Europeia resultante da aplicação da Diretiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de abril de 1979 (Diretiva Aves) – revogada pela Diretiva 2009/147/CE, de 30 de novembro – e da Diretiva 92/43/CEE (Diretiva Habitats) que tem como finalidade assegurar a conservação a longo prazo das espécies e dos habitats mais ameaçados da Europa, contribuindo para parar a perda de biodiversidade. Constitui o principal instrumento para a conservação da natureza na União Europeia.” (ICNF).

Mas o interesse pela Barrinha e as preocupações com a sua conservação vêm de longe: em 1976, no “1º Colóquio sobre Conservação das Zonas Húmidas em Portugal”, promovido pela Liga para a Proteção da Natureza, na Faculdade de Ciências de Lisboa, foi apresentada uma comunicação onde já se denunciavam “As camionetas e camionetas de lixo que ali [Barrinha de Esmoriz] têm sido descarregadas e vão diminuindo a área alagada. A urbanização desregrada avança, aproximando-se cada vez mais da zona zoologicamente mais interessante da Barrinha. Além da perturbação que a presença de habitações causa na vida selvagem, a paisagem é alterada de maneira gravíssima. Na parte mais rica em avifauna foi construído um campo de futebol que perturba bastante a nidificação das aves. Também aqui, junto ao campo, se realizam por vezes provas de motocrosse, com pistas a passarem por terrenos onde nidificam muitas aves.”

Na sequência desse alerta, nesse mesmo ano de 1976, foi apresentada à Secretaria de Estado do Ambiente e às Câmaras e Juntas de Freguesia envolvidas, uma proposta concreta de criação da “Reserva Natural da Barrinha de Esmoriz”; mais tarde, em 1978, o Secretário de Estado do Ambiente, Arq. Gomes Fernandes, acusou a receção do dossier onde colocou o seguinte despacho: ”foi acolhido com o maior interesse”.

E em Janeiro de 1989 foi apresentado o Plano Parcial de Urbanização de Esmoriz, elaborado pela CCRN, que “classifica” a Barrinha como “reserva natural” e que seria aprovado pela Portaria n.º 896/84 de 6 de Dezembro que, no seu artigo 3º. previa:
“Nas zonas classificadas como de particular interesse ecológico e de manifesto interesse científico, tal como a área abrangida pela reserva natural da Barrinha de Esmoriz é aplicável o que se segue:
1—Na reserva natural é proibido:
a)Alterações às atividades económicas presentes;
b)Alterações à morfologia do terreno, nomeadamente a abertura de caminhos, a construção, reconstrução ou ampliação de instalações, a passagem de novas linhas elétricas ou telefónicas;
c)O abandono de detritos ou depósitos de materiais;
d)Acampar ou fazer merendeiros;
e)Introdução de animais e plantas exóticas e a colheita de animais ou plantas endémicas;
f)Circulação de cães;
g)Caça e pesca;
h)Desportos motorizados;
i)Realização de exercícios militares;
j)Circulação de pessoas ou veículos fora dos caminhos;
k)Tiro desportivo.”

Também o “Plano Sectorial da Rede Natura 2000, para a Barrinha de Esmoriz, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros nº 76/2000 de 5 de Julho alerta para uma série de ameaças e aponta das adequadas medidas de gestão do sítio.

Ora, infelizmente, nada disto foi levado a séria, embora tenha tido honras de publicação no Diário da República, repositório de muito boas intenções…

E vem isto a propósito dos recentes atentados que têm sido feitos contra a conservação da Barrinha, desde as mal justificadas dragagens, ao excesso de invasivos passadiços, à sementeira de espécies exóticas e, agora, à utilização crescente para desportos náuticos, inclusive motorizados, pairando no ar a ameaça de um centro náutico.

Muitas dessas obras foram anunciadas em 2015, sem qualquer justificação; atrasaram-se, como é norma, e em 2017 o então presidente da Câmara Municipal de Espinho considerava que a Barrinha se tornará um “filão de ouro turístico” (JN, 25/01/2017), filão que está a ser destruído!

Já nesse ano de 2015 escrevemos “As intervenções agora anunciadas vão aumentar imenso a pressão antrópica sobre o sítio; a existência, no projeto, de um cais faz prever a possibilidade de navegação, os inúmeros passadiços “devassam” áreas até aqui pouco ou nada visitadas, etc.”

Em Julho do ano passado a FAPAS emitiu um comunicado sobre a Barrinha de Esmoriz, onde concluía, como hoje o pode fazer com razões acrescidas: “A FAPAS, Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade, quer a valorização cultural, ambiental e económica das localidades e regiões, mas quer que isso ocorra de forma sustentável, sem colocar em risco o que aos sítios dá valor e os torna singulares e diversos, seja a paisagem, seja a fauna ou a flora.”

Não respeitar estes princípios não é progresso nem desenvolvimento, é retrocesso!”.

Como Sítio da Rede Natura 2000, a Barrinha de Esmoriz tem proteção do Estado Português e da União Europeia, a quem iremos denunciar, de imediato, os atropelos em curso e a eventual aplicação de fundos comunitários em contradição com o princípio “do no significant harm”, que determina que todas as reformas e investimentos comunitários respeitam o princípio de não prejudicarem significativamente os objetivos ambientais.

[1] A designação ”Barrinha de Esmoriz” ou “Lagoa de Paramos” tem sido usada indistintamente para denominar este acidente geográfico, que é dividido a meio, exatamente, pelo limite das Freguesias com aqueles nomes: Paramos (Espinho) a Norte, Esmoriz (Ovar), a Sul. No entanto, parece-nos que o topónimo geograficamente mais acertado, e o mais comum, será Barrinha de Esmoriz, que as cartas do IGP registam.

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