Incêndios Florestais 2010_As lições não aprendidas de 2003

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Apesar do flagelo dos incêndios não ter atingido até agora a dimensão catastrófica de 2003 e 2005, a LPN manifesta a sua profunda preocupação com a situação que o País vive actualmente. Para além da perda de vidas humanas e de bens, preocupa-nos a perda de património florestal, e em particular a extensa área queimada em áreas protegidas, nomeadamente no nosso único Parque Nacional. Num país que perdeu quase todas as formações preservadas de floresta nativa, é angustiante ver ameaçada uma das mais bem preservadas matas naturais, a Mata de Cabril, no Parque Nacional Peneda-Gerês.

Após 3 anos de relativa acalmia, as condições meteorológicas põem de novo a descoberto as muitas fragilidades que continuam na prevenção e combate aos incêndios. Estas fragilidades estão identificadas no livro “Incêndios Florestais – 5 anos após 2003”, produzido pela LPN em 2008 a partir de um estudo encomendado pela Autoridade Florestal Nacional (AFN). Deste então muito pouco mudou e quase nenhuma das críticas feitas na altura foi tida em conta.

Atente-se nos três pilares sobre os quais assenta o Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios:

VIGILÂNCIA, DETECÇÃO E FISCALIZAÇÃO DAS IGNIÇÕES

Quando comparamos as estatísticas por exemplo com Espanha (com um clima semelhante e características não muito diferentes de combustível), Portugal tem um n.º de ignições muito maior. Continua a não haver uma actuação eficaz e dissuasora das autoridades, como lançamento de foguetes durante as festas de Verão (apesar de estritamente proibidos por lei), as fogueiras e fogareiros em zonas lúdicas sem condições legais e as queimadas. Tudo isto sem acções punitivas, tal como se encontram previstas na legislação. No entanto, voltam a ouvir-se os arautos do fogo posto, óptimo bode expiatório para colocar nos incendiários o ónus de uma situação que tem sobretudo a ver com a falta de civismo de muitas pessoas e de firmeza das autoridades.

PREVENÇÃO ESTRUTURAL

A tutela desta vertente é da AFN e prende-se com as características da floresta e suas implicações na propagação dos incêndios. Muito embora seja a vertente com a resposta mais lenta (já que dificilmente se conseguem obter resultados práticos no curto prazo), há uma enorme distância entre a realidade e o que deveria ser feito.

Continuam os fortes constrangimentos relacionados com a estrutura fundiária, caracterizada por uma extrema pulverização da propriedade em algumas zonas do país. Apesar de várias vezes prometido e anunciado, o cadastro continua a marcar passo, não existindo um programa de financiamento que permita assegurar a sua realização completa. Enquanto estas questões não forem resolvidas, dificilmente se conseguem responsabilizar os proprietários pelos problemas que causam ao bem comum devido à má gestão ou à falta de gestão das suas propriedades.

A este respeito criou-se uma grande expectativa com a criação de Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), que deveriam funcionar como condomínios com uma gestão comum. Mas tememos que as expectativas venham a ser completamente goradas, pois não se estão garantidas as condições para esta gestão comum. Apenas um quarto das ZIF deverá ter perspectivas de poder vir a implementar. Refiram-se ainda as tremendas dificuldades impostas pelo regulamento em vigor, que faz com que actualmente não exista nenhuma ZIF em condições de cumprir todos os requisitos exigidos em termos de instrumentos de planeamento e do levantamento cadastral. 

Criaram-se igualmente grandes expectativas com o fomento da técnica do fogo controlado, dado ser barata e eficaz na gestão de combustíveis. Também aqui as expectativas têm caído por terra, dado que as áreas tratadas com fogo controlado não deverão sequer ter atingido os 2000 hectares, muito longe dos cerca de 100.000 hectares preconizados por alguns técnicos.

O Fundo Florestal Permanente, originalmente criado para ser aplicado na floresta, está hoje completamente desvirtuado, sendo em grande parte utilizado para pagamento de técnicos dos Gabinetes Técnicos Municipais. Não existem informações detalhadas e transparentes sobre a aplicação dos dinheiros deste Fundo, tal como a LPN criticou em 2008.

Graças à política assumida de encorajamento à produção de matéria-prima para pasta para papel, a evolução da paisagem conduziu ao domínio do eucalipto (estima-se que seja actualmente a espécie com maior área ocupada). Para além da degradação dos ecossistemas e das paisagens, é uma espécie com grande inflamabilidade e capacidade para causar focos secundários, dificultando assim o combate.

As evidências científicas indicam que as nossas espécies folhosas nativas poderão desempenhar um papel muito importante na prevenção de incêndios. No entanto, em vez desta solução tecnicamente obvia, temos assistido a uma aposta nas chamadas redes primárias de defesa da floresta, com custos elevadíssimos de instalação mas sobretudo com custos inimagináveis de manutenção.  

COMBATE

Esta foi a vertente que registou a evolução mais visível desde 2003. Mais meios humanos e materiais, maior coordenação e maior qualificação das forças no terreno. No entanto, existe muito ainda a fazer nesta área, dado o baixo nível de onde se partiu Os problemas de coordenação continuam, e a acção no terreno mantém-se dependente de uma esmagadora de voluntários, sendo urgente apostar na profissionalização, com vista a uma formação constante e actualizada das forças no terreno.

Se bem que seja difícil isolar a questão do combate das outras vertentes, as condições do presente ano estão a impedir que as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios venham a ser atingidas. Refira-se a elevada taxa de reacendimentos ou o número de dias em que vários incêndios estiveram activos.

Há que prestar homenagem ao esforço e abnegação das pessoas que se encontram no terreno a combater as chamas, em particular aos que perderam a vida em cumprimento dessa missão. Deste modo, a LPN deseja que as dificuldades sejam superadas, mas que as lições deste Verão sejam devidamente aprendidas, de modo a introduzir as melhorias necessárias num sistema que evoluiu positivamente desde 2003 mas que está ainda muito longe dos padrões que encontramos noutros países onde o problema dos incêndios não atinge a gravidade que tem em Portugal.

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