Paul do Taipal: construção de passadiços ameaça aves em área protegida que as devia salvaguardar patos-colhereiros no Paul do Taipal, ameaçados pelo proposto passadiço

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O município de Montemor-o-Velho está a construir, com validação do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), um percurso em passadiço no interior do Paul do Taipal, um santuário para aves reconhecido a nível nacional e internacional, sem suficiente consideração pelo impacto dessa estrutura nas espécies de aves que esta área protegida deve salvaguardar. A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e a Associação Milvoz contestaram este projeto numa ação judicial, mas quando esta tiver resolução já haverá um estrago de grande amplitude.

Paul do Taipal com traçado do proposto passadiço, que passa mesmo junto a zonas de repouso, alimentação e nidificação de aves. ©Domingos Leitão/SPEA
O traçado do proposto passadiço (a vermelho) passa mesmo junto a zonas de repouso, alimentação e nidificação de aves. ©Domingos Leitão/SPEA
Pato-colhereiro, uma das espécies ameaçadas pelo proposto passadiço. ©Domingos Leitão/SPEA

Até agora, o Paul do Taipal tem sido uma área pouco frequentada e sem perturbação humana, e por isso serve de refúgio a inúmeras espécies de aves aquáticas, muitas delas com estatuto de conservação preocupante. Em reconhecimento da importância deste local, e para garantir a proteção dessas espécies, o paul é classificado como Zona de Protecção Especial (ZPE) ao abrigo da Diretiva Aves, integrando a Rede Natura 2000 e a lista de sítios da convenção RAMSAR sobre as zonas húmidas de importância internacional. Os passadiços que o município e o ICNF se propõem agora construir põem em risco esses valores naturais, pois ficarão localizados dentro da área protegida, em grande proximidade de locais de nidificação, alimentação e repouso de várias espécies de aves ameaçadas que dependem deste espaço.
É óbvio, mesmo para não especialistas, que tanto a construção como a exploração e manutenção desta infraestrutura têm um enorme impacto negativo sobre os valores naturais que estão na base da criação desta área classificada,” diz Domingos Leitão, Diretor Executivo da SPEA.
De acordo com a legislação, uma obra desta natureza nunca poderia ter avançado sem uma análise de incidências ambientais, que certamente iria revelar a incompatibilidade com os objetivos de conservação da área. No entanto, o ICNF deu parecer positivo a construção da infraestrutura sem realizar essa análise de incidências ambientais e ignorando o seu impacto nas populações invernantes de milhares de patos, bem como no caimão e noutras aves aquáticas que nidificam na área norte do paul, que até à data não sofria qualquer perturbação de origem humana. Perante esta situação, a SPEA e a Milvoz interpuseram em julho de 2022 uma providência cautelar com vista a parar a construção. Inicialmente, o tribunal concedeu mérito a essa ação, à qual foi até atribuído o estatuto de “ação popular”: as obras pararam, e o município de Montemor-o-Velho e o ICNF foram intimados a responder. Contudo, surpreendentemente a sentença não deu provimento à providência cautelar, argumentando que não foi demonstrado o perigo de demora (“mora”), ou seja, que não terá sido provado que a continuação das obras tivesse consequências graves na pendência da ação. A SPEA e a Milvoz recorreram da decisão e, no dia 11 de novembro de 2022, o recurso foi também indeferido. Deste modo, a decisão final fica remetida para a ação judicial principal, que poderá demorar muitos anos a ser decidida.
Na prática, o tribunal considerou que a SPEA e a Milvoz teriam que provar cabalmente as consequências irreversíveis, algo que só pode ser feito com a análise de incidências ambientais, obrigatória por lei, que o município não fez, e que é justamente o motivo e fundamento da ação”, diz Manuel Malva da Associação Milvoz.Entretanto, as obras já recomeçaram. Tiveram de parar por causa do aumento do nível de água no paul, mas poderão continuar a qualquer momento, e quando houver uma decisão final da parte dos tribunais, poderá ser tarde demais para as aves.
Domingos Leitão remata: “Com uma administração pública que não faz bem o seu trabalho e um sistema judicial que não entende o perigo de mora no caso da perturbação de espécies protegidas nos seus locais de dependência, é legítimo perguntar se as áreas protegidas e classificadas protegem mesmo os valores naturais que acolhem, e que Natureza iremos deixar para as gerações futuras.

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